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Wagner Wey Moreira; Marcus Vinicius Simões de Campos; Regina Simões
Motricidades: Rev. SPQMH, v. 3, n. 3, p. 167-176, set.-dez. 2019 | ISSN 2594-6463 |
DOI: http://dx.doi.org/10.29181/2594-6463.2019.v3.n3.p167-176
movimentar, contando para isso com seu raciocínio, sua sensibilidade e afetividade,
assim como sua criatividade.
A mesma autora revela a transformação do simples movimento em atos de
criação, qualidade da Motricidade, e esta necessariamente exige relações entre humanos
que se comunicam e se socializam (TRIGO, 1999).
Quando trazemos a relação corpo, movimento, Motricidade, Corporeidade,
associando isso à consciência, calcados em Merleau-Ponty (2011, p. 159) temos “[...]
todo movimento é indissoluvelmente movimento e consciência do movimento”,
lembrando que consciência para o autor é um ato de alerta corporal e não simplesmente
mental.
Isto remete ao trabalho de Elenor Kunz o primeiro teórico da área da Educação
Física no Brasil a propor uma abordagem fenomenológica do se-movimentar humano.
Nesta proposta estão inscritos pressupostos da Motricidade, porque diferentemente de
outras propostas construídas para a área como abordagens morfológica, biomecânica,
empírico-analítica do ato motor e outras, todas centradas em observar o movimento
humano a partir de fora, a abordagem fenomenológica do se-movimentar constrói
pontes entre o externo e o interno através da intencionalidade e da percepção do
movimento (KUNZ; MARQUES, 2019).
Mais recentemente Moreira e Simões (2018, p. 168) procurando associar os
sentidos de Motricidade ao humanismo e ao esporte destacam:
[...] a estruturação do ser é tida como uma unidade existencial dotada de
movimento para progredir, permanentemente, no conhecimento de si, dos
outros e do mundo. Movimentar-se também é uma das principais
características do esporte, razão pela qual podemos integrar os sentidos do
esporte, corporeidade e vida na busca de um redimensionamento do
humanismo moderno.
Desenvolver os sentidos da Motricidade pode nos levar a reconhecer, como indica
Inforsato (2006, p. 97) que “[...] essa visão de mundo acoplada ao empirismo, que em
síntese busca os elementos de prova da verdade nos fatos, consolidou a forma de parte
considerável dos europeus entender o mundo e estimar a vida”. Como isso tudo pode ser
esquadrinhado, analisado e previsto, o movimento humano só se justifica no sentido de
produção, competição e consumo.
Freire (2008, p. 53), com toda razão, lembra que a educação brasileira é resultante
dos valores europeus e isto está ainda impregnado em nossa cultura. Tanto a educação
de forma geral, quanto a Educação Física, chegaram para serem consumidas. Talvez por
isso o corpo ter sido destinado a uma posição secundária, ganhando a primazia a
educação intelectiva e, consequentemente, esta não pode reconhecer o corpo que somos.
Trata-se, antes de tudo, de afirmar um conceito de vida, uma maneira de
viver, uma ética, em oposição a outra, secular, eurocêntrica, cuja raiz é a
negação do próprio corpo como entidade de realização da vida. [...] Mais que
quaisquer outras, as expressões “meu corpo” e “nosso corpo” indicam que
esse corpo se trata de um objeto ao qual alguém, que não é ele, se dirige
objetivamente. Vivemos, netas civilização, como se o corpo fosse nosso
objeto direto. Ele não é nós, está fora de nós, está à nossa frente, nos
pertence.
Se isto persiste até hoje, produções a respeito de Motricidade e de Corporeidade
não têm o menor sentido. Não nos espanta estes temas só aportarem entre nós a partir da
segunda metade do século XX. No entanto, o mesmo autor mencionado insiste em
afirmar que a “Motricidade é a dinâmica de realização da vida corporal que somos; é o