v.4, n.3, p. 272-285, set.-dez. 2020 | ISSN 2594-6463 |
Motricidades: Rev. SPQMH, v. 4, n. 3, p. 272-285, set.-dez. 2020 | ISSN 2594-6463 |
DOI: http://dx.doi.org/10.29181/2594-6463.2020.v4.n3.p272-285
Ginástica para Todos:
notas sobre a composição coreográfica por praticantes idosas
Gymnastics for All: notes about choreographic composition process by elderly women
Gimnasia para Todos: notas sobre la composición coreográfica por practicantes mujeres mayores
JÉSSICA SHIZUKA YAHIRO DA SILVA OLIVEIRA
1
; FELIPE DE SOUZA SILVA
2
;
FERNANDA RAFFI MENEGALDO
3
; MARCO ANTONIO COELHO BORTOLETO
4
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, UNICAMP, CAMPINAS-SP, BRASIL
RESUMO
Este estudo analisou o processo de composição e apresentação coreográfica vivido por integrantes do projeto de
Ginástica para Todos (GPT) do Programa UniversIDADE da Unicamp. Caracterizada como um estudo de caso,
esta pesquisa registrou depoimentos escritos de 12 participantes, que foram analisados via Análise de Conteúdo.
Os registros enfatizam o processo de composição como uma oportunidade para trocas de saberes e experiências,
que é intensificado pela participação ativa e pela construção coletiva, além do consequente adensamento das
relações sociais aspectos presentes na proposta pedagógica que subsidia este projeto. Ademais, a experiência
de apresentar a coreografia para um grande público foi percebida como positiva e, por vezes, desafiadora,
proporcionando o sentimento de superação e a socialização do processo vivido, o que reforça o potencial da GPT
para esse público e o alinhamento entre as potencialidades da prática e as demandas do processo de
envelhecimento.
Palavras-chave: Ginástica para Todos. Idoso. Coreografias. Educação Física.
ABSTRACT
This study analysed the choreographic composition and performance experienced by Gymnastics for All (GfA)
practioners from the UniversIDADE Program (Unicamp). Characterized as a case study, this research recorded
written reports from 12 participants, which were analyzed by Content Analysis technique. The data emphasize
the composition process as an opportunity for knowledge and experience exchanges, which is intensified by
active participation in a collective process, besides to the consequent increase of social relations key aspects of
the pedagogical proposal used in this group. Furthermore, presenting the choreography to a large audience was
perceived as positive and also challenging experience, providing the feeling of overcoming and socializing the
process, which reinforces the potential of this gymnastics for elderly and the alignment between the GfA
potentialities and the demands of the aging process.
Keywords: Gymnastics for All. Elderly. Choreographics Performances. Physical Education.
RESUMEN
Este estudio analiel proceso de composición y presentación coreográfica experimentado por las integrantes
del proyecto de Gimnasia para Todos (GPT) del Programa UniversIDADE de la Unicamp. Caracterizada como
un estudio de caso, esta investigación registró relatos escritos de 12 participantes, que fueron analizados por
medio de la Análisis de Contenido. Los registros enfatizan el proceso de composición como una oportunidad de
intercambio de conocimientos y experiencias, que se intensifica con la participación activa y la construcción
colectiva, además de la consiguiente densificación de las relaciones sociales, aspectos presentes en la propuesta
pedagógica que subsidia este proyecto. También, la experiencia de presentar la coreografía a un público
numeroso fue percibida como positiva y, a veces, desafiante, ofreciendo la sensación de superación y
socialización del proceso vivido, lo que refuerza el potencial de la GPT para este público y la convergencia entre
el potencial de la práctica y las características del proceso de envejecimiento.
Palabras clave: Gimnasia para Todos. Gente Mayor. Coreografías. Educación Física.
1
Graduada em Educação Física pela Unicamp. E-mail: shi_sakura@hotmail.com. ORCID: http://orcid.org/0000-
0003-2774-140X.
2
Mestre em Educação Física pela Unicamp. E-mail: felipe_msc@outlook.com. ORCID: http://orcid.org/0000-
0002-6213-1204.
3
Mestra em Educação Física pela Unicamp. E-mail: fernandamenegaldo@hotmail.com. ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-9542-1128.
4
Professor Associado do Departamento de Educação Física e Humanidades da Faculdade de Educação Física da
Unicamp. E-mail: bortoleto@fef.unicamp.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4455-6732.
273
Ginástica para Todos
Motricidades: Rev. SPQMH, v. 4, n. 3, p. 272-285, set.-dez. 2020 | ISSN 2594-6463 |
DOI: http://dx.doi.org/10.29181/2594-6463.2020.v4.n3.p272-285
INTRODUÇÃO
A Ginástica para Todos (GPT) é uma prática gímnica em grupo, essencialmente
o-competitiva, que visa a participação inclusiva, sem distinções de idade, gênero e
níveis de habilidade. Essa atividade se revela como uma prática corporal “flexível” com
relação aos participantes, aos implementos utilizados, ao tipo de espaço, ao uso da
música, entre outros aspectos, sendo tudo modulado conforme as características e
decisões de cada grupo (MENEGALDO; BORTOLETO, 2020a), fato que, por vezes,
contribui para o fomento das relações sociais entre os praticantes. Ademais, a
adaptabilidade da GPT tem permitido seu desenvolvimento em diferentes contextos
(escolas, universidades, academia, clubes, ONGs), ampliando a quantidade de
participantes e alcançando públicos heterogêneos. Desse modo, coincidimos com as
indicações da Federação Internacional de Ginástica (FIG), atualmente já endossadas por
diversos estudos científicos, no sentido de tratar essa prática como um caminho para a
promoção do bem-estar físico, psíquico e social, contribuindo ainda para distintos
aspectos da formação humana, como o autoconhecimento, a interação social e o respeito
à diversidade e às individualidades.
Para além disso, um dos melhores espaços de difusão da GPT tem sido os
festivais ginásticos (PATRÍCIO; BORTOLETO; CARBINATTO, 2016), logo, eventos
como a World Gymnaestrada o maior festival não-competitivo promovido pela FIG
são um exemplo da participação de pessoas das mais variadas idades, com destaque,
inclusive, para a expressiva adesão de adultos e idosos (BORTOLETO et al., 2019).
Nesse sentido e corroborando com a heterogeneidade prevista para a prática da GPT
, destacamos sua potencialidade para o público idoso (SIMÕES; CARBINATTO, 2016;
MORENO; TSUKAMOTO, 2018; SILVA, 2020). Com efeito, parece-nos que
desenvolver a prática da GPT com esse blico pode representar uma oportunidade de
fomentar a criatividade, a ludicidade, o compartilhamento de experiências culturais, de
saberes corporais variados, bem como a possibilidade de congregar participantes com
diferentes níveis de habilidade corporal, incluindo aqueles sem experiência prática
prévia no campo da ginástica.
GINÁSTICA PARA CORPOS EXPERIENTES: OPORTUNIZANDO A PRÁTICA DA GPT
O Programa UniversIDADE (PU) foi criado pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) em 2014 com o intuito de proporcionar atividades
interdisciplinares voltadas ao público idoso de sua comunidade interna e externa. Com
isso, centenas de pessoas com mais de 50 anos passaram a frequentar o programa que
inclui, entre outras possibilidades, atividades esportivas (RIEDO; GARCIA; SILVA,
2017). Gratuito, o PU almeja estabelecer um vínculo entre a educação acadêmica e a
educação popular, buscando a disseminação do conhecimento e do desenvolvimento
humano (RIEDO; GARCIA; SILVA, 2017) para a melhor preparação dos idosos para
esse importante estágio de suas vidas.
Nesse sentido, o projeto “Ginástica para Corpos Experientes” teve início em 2016
com uma ação pontual: uma oficina de GPT. Dois anos mais tarde, em 2018, uma nova
proposta se materializou ainda no primeiro semestre, dessa vez com uma ação
processual, composta por 15 encontros semanais realizados ao longo de quatro meses de
atividades, visando oferecer uma experiência mais ampla da GPT. O êxito desse novo
formato motivou a continuidade do projeto no semestre seguinte, atraindo ainda novos
participantes para o espaço de prática da ginástica.
O projeto em questão se desenvolve no eixo Esporte e Lazer do PU, objetivando
proporcionar uma vivência da GPT subsidiada pela proposta pedagógica do Grupo
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Ginástico Unicamp (GGU). Esta proposta apresenta, entre outros aspectos relacionados
à prática, uma metodologia que promove um ambiente de compartilhamento de ideias e
experiências dos praticantes, além de participação e voz ativa, respeito às
individualidades e aumento da interação social (GRANER; PAOLIELLO;
BORTOLETO, 2017). Além disso, tem como um de seus pilares a composição
coreográfica (CARBINATTO; FURTADO, 2019) que, a partir da referida proposta
pedagógica, constitui-se como um processo de composição coletiva de coreografias, a
partir do qual pode-se experienciar de forma intensa esse espaço dialógico de prática da
ginástica.
Assim, este estudo teve como objetivo analisar o processo de composição
coreográfica vivenciado pelas integrantes do projeto Ginástica para Corpos Experientes,
identificando as experiências e percepções mais significativas durante o processo a
partir da perspectiva das praticantes
5
. Destaca-se, ainda, que o processo de composição
coreográfica é reconhecido na literatura científica da GPT como fundamental para o
desenvolvimento da prática, possibilitando o fomento a vários potenciais particulares da
GPT (MENEGALDO; BORTOLETO, 2020a). Ademais, ao abordar a prática da GPT
em grupos de idosos no Brasil, Silva (2020) confirmou a baixa visibilidade e o escasso
tratamento dessa temática pela literatura especializada. Nesse sentido, todos esses
aspectos, combinados ao reconhecimento da GPT como uma alternativa promissora
para a promoção da saúde e da qualidade de vida, justificam a realização deste estudo,
que poderá contribuir para o debate e o fomento dessa prática gímnica para os idosos.
MÉTODO
CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa exploratória e descritiva, de
natureza qualitativa (MINAYO, 2010), configurando-se como um estudo de caso, em
concordância com Triviños (1987).
PARTICIPANTES, CONTEXTO E ASPECTOS ÉTICOS
Participaram desta pesquisa 12 pessoas idosas, sendo 11 mulheres e um homem,
regularmente matriculadas no projeto “Ginástica para Corpos Experientes” do Programa
UniversIDADE durante o segundo semestre de 2018. Ademais, em concordância com o
objetivo do Programa UniversIDADE, a média de idade das integrantes é de 59 anos
(mínimo 52 e máximo 81). Os encontros aconteceram semanalmente, às terças-feiras, e
foram realizados no Laboratório Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão (LABFEF) e
no Espaço de Dança da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp.
O cronograma de atividades do semestre em questão contou com 15 encontros,
todos mediados por dois professores: uma graduanda e um mestrando, ambos
vinculados à FEF-Unicamp. Além dos professores, os encontros também contaram com
a participação de professoras(es) especialistas em GPT e em áreas afins, proporcionando
uma troca entre esses profissionais. Consequentemente, houve a oferta de diferentes
manifestações da cultura corporal que flertam com essa prática gímnica, contribuindo
para a ampliação do repertório gestual das praticantes, bem como para o fomento da
exploração criativa de implementos (materiais), do espaço, da música e da expressão
que são elementos fundamentais para o processo de composição coreográfica.
5
Para falar especificamente do grupo cujos relatos analisamos, faremos a concordância textual no
feminino por se tratar de maioria de participantes que se identificam como mulheres.
275
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A participação na pesquisa foi consentida, individualmente, por meio do
preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que
apresentava as premissas éticas deste estudo, seus objetivos e os procedimentos
metodológicos. Na mesma ocasião, as participantes também consentiram com o registro
de imagens (fotografias) produzidas nos encontros semanais. Ainda, os nomes das
participantes foram substitdos pela sigla CE (Corpo Experiente) e numerados
aleatoriamente. Todos os cuidados éticos detalhados acima foram previstos no projeto
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp (via Plataforma Brasil), sob
parecer nº 3.196.127.
INSTRUMENTOS E PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO
Como técnica para a coleta de dados, utilizamos registros escritos, que foram
realizados individualmente e agrupados no Diário de Experiências (DE). O DE
consistia em um caderno que era levado para casa pelas praticantes, após o término de
cada aula, para que elas elaborassem seus registros. Essa atividade foi iniciada depois
do terceiro encontro, sendo o DE levado por uma integrante que deveria devolvê-lo no
encontro seguinte com seu respectivo depoimento. Feita a devolução, os professores
destacavam a(s) folha(s) que continha(m) o depoimento e, posteriormente, repassavam
os DE para outra integrante. A opção por retirar os depoimentos do DE antes de
encaminhá-lo para outra integrante é justificada tanto pela preservação do anonimato da
participação na pesquisa como também para que os depoimentos anteriores não
influenciassem os registros seguintes.
Dessa forma, ao término do projeto foram obtidos 12 depoimentos, uma vez que
todas aceitaram registrar suas experiências e percepções no DE. A ordem das
integrantes para a realização do registro não foi previamente estipulada; a cada
encontro, voluntariamente, uma das participantes que ainda não havia realizado o
registro, se disponibilizava a fazê-lo na semana corrente. Em formato livre, seu objetivo
era apresentar uma descrição das percepções acerca das dinâmicas realizadas em aula,
incluindo, portanto, a composição coreográfica. Ademais, a intenção em deixá-las livres
para a elaboração do depoimento foi proposital, para que os registros escritos
revelassem as percepções e as experiências mais significativas na perspectiva das
integrantes.
Além do DE, as integrantes também foram convidadas a elaborarem outro
registro, intitulado Balanço das Experiências(BE). Coletado on-line, sua elaboração
também foi individual e se deu após a última apresentação do grupo, que coincidiu
também com o término das atividades do referido projeto. Dessa forma, todas as
integrantes enviaram, por e-mail, um relato sobre a participação no projeto “Ginástica
para Corpos Experientes”, com ênfase na participação em dois eventos, quando
apresentaram a composição coreográfica elaborada pelo grupo no referido semestre.
Esses eventos foram o XXIV Festival da Faculdade de Educação Física da Unicamp e o
Encerramento das atividades do PU 2018, tendo ambos ocorrido em dezembro de 2018.
Assim, ao final do semestre foi possível reunir 24 registros (depoimentos), sendo
12 deles sobre o processo ou seja, as dinâmicas de exploração, a construção coletiva e
a composição coreográfica, registrados no DE e outros 12 sobre o produto, isto é,
sobre a coreografia e a experiência de se apresentar em público, relatados no BE.
ANÁLISE DE DADOS
Para subsidiar e sistematizar a análise dos depoimentos, adotamos a proposta de
Análise de Conteúdo sugerida por Krippendorff (2014). Para isso, os registros foram
cuidadosamente lidos, iniciando, assim, a fase de análise. Primeiramente, houve a
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intenção de identificar as unidades de registro e as unidades de contexto. Em seguida,
tivemos (I) a separação por categorias; (II) as conclusões com base nos resultados
obtidos; (III) o reagrupamento das categorias; (IV) a produção de narrativas temáticas;
e, por fim, (V) a interpretação dos resultados obtidos e o diálogo entre as narrativas e a
literatura específica da área.
Esse processo foi realizado com os dados obtidos por ambos os instrumentos: DE
e BE. Nos dados oriundos do DE, foram identificadas (etapas I, II e III) e discutidas
(etapas IV e V) cinco categorias: 1) processo de construção coletiva, 2) participação
ativa, 3) habilidades sociais e amizades, 4) acessibilidade e respeito dos limites
individuais e 5) tematização. os dados obtidos pelo BE, geraram três categorias de
análise: 1) superação e melhora da autoestima, 2) sensação de produtividade-utilidade e
3) relação com os espectadores.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O processo analítico dos dados resultou em uma série de categorias que serão aqui
apresentadas em dois momentos. Primeiramente, traremos as categorias oriundas do DE
que fazem referência, portanto, ao “Processo de composição coreográfica”.
Posteriormente, abordaremos as categorias resultantes das análises realizadas com os
registros do BE, que tratam, especificamente, sobre “A experiência de apresentar nos
eventos”.
SOBRE O PROCESSO DE COREOGRAFAR
Antes de apresentar os relatos e as experiências na perspectiva das integrantes,
consideramos importante descrevermos, ainda que de forma sucinta, como foi
estruturado o processo de composição coreográfica. Presente desde as primeiras aulas,
as dinâmicas de construção coletiva de sequências de movimentos muitas vezes
realizadas no momento final da aula, com base nos saberes gímnicos abordados naquele
encontro foram, gradualmente, permitindo que o grupo compreendesse a ideia da
participação ativa nesses momentos de composição, tornando essas dinâmicas parte das
atividades do grupo, assim como estimulando a criatividade e a habilidade da
cooperação (MENEGALDO, 2018).
Dessa forma, tendo em vista a participação nos eventos no fim do semestre e
estando as integrantes do grupo minimamente familiarizadas com a proposta utilizada
para o desenvolvimento das aulas, foi iniciado no nono encontro o processo de
composição da coreografia para apresentação. Destarte, decidiu-se utilizar os arcos
(aparelhos oficiais da Ginástica tmica) como implemento. Eles foram apresentados
para as integrantes como uma possibilidade de material para a GPT (ANTUALPA;
MENEGALDO, 2016) durante a oficina de “Manipulação de materiais”, ministrada por
uma convidada externa na sétima aula. A escolha desse aparelho para a coreografia final
parece ter sido reflexo da experiência positiva das participantes durante a oficina, na
qual elas puderam explorar diversas formas de manipulá-lo, tanto individualmente como
também em grupo, ao constrrem movimentos de cooperação direta por meio dele.
Com o material decidido, os debates se voltaram para a escolha de outros
elementos fundamentais da coreografia: tema e música. O grupo decidiu, após alguns
debates mediados pelos professores, uma temática que remetesse à ideia das fases da
vida infância, juventude e vida adulta , sistematizando uma “linha do tempo”. Com
base nisso, uma das integrantes deu a sugestão de nomear a coreografia como “Trem da
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vida”, ideia que foi acatada pelas demais e que conduziu o processo de escolha da
música a ser utilizada.
Tomadas as decisões, o grupo, então, dedicou-se à elaboração da coreografia per
se, isto é, à união do material, do tema e da música aos elementos corporais em uma
sequência de movimentos. Sobre esse processo, a primeira e mais frequente categoria
identificada no discurso das integrantes foi justamente acerca do método utilizado para
tal construção, que é fundamentado, como dito anteriormente, na proposta pedagógica
do GGU (GRANER; PAOLIELLO; BORTOLETO, 2017; PAOLIELLO et al., 2014).
As passagens indicam, a princípio, que o processo de construção coletiva (ALMEIDA,
2016) foi percebido como uma estratégia queo apenas congrega os movimentos
aprendidos, mas que, por meio da interação entre as praticantes, possibilita um exercício
de pensar sobre o movimento e sobre as possibilidades de criação e diálogo com outros
elementos (espaço, tempo, música, tema) (SOARES; ALMEIDA; BORTOLETO,
2016). Dessa forma, ele [...] oportuniza criatividade, trabalho em grupo e
relacionamento interpessoal” (CE2).
Ainda sobre essa metodologia, CE3 comenta que ela [...] coloca os alunos para
pensar, se movimentar, argumentar, questionar, dar opiniões, interagir uns com os
outros [...] é uma atividade muito interessante”. Por sua vez, CE10 relata que:
[...] em grupos, conversamos sobre brincadeiras da infância, cada um foi
falando, fazendo uma viagem ao passado [...] uma turma apresentou para a
outra as brincadeiras em uma sequência, foi muito bom. Nosso grupo montou
uma coreografia integrando as brincadeiras com os movimentos. Foi uma
atividade que englobou várias partes do corpo com movimentos, dança,
memorização, coordenação.
Dentro dessa proposta, uma dinâmica intitulada soma de frases” (PAOLIELLO
et al., 2014) figura como um dos caminhos possíveis para a construção coletiva.
Individualmente, os praticantes criam pequenas sequências de movimentos que, em
seguida, são compartilhadas em duplas, podendo se combinar e formando uma única
sequência. Essa pequena composição é posteriormente compartilhada em quartetos,
formados por duas duplas da fase anterior, e o objetivo é aumentar a sequência de
movimentos, acrescentando novas ideias. A mesma dinâmica de agrupamento das
sequências pode ser realizada mais vezes, dependendo do tamanho do grupo.
No projeto, devido ao número de participantes, a soma de frases era realizada até
que, em quartetos, as praticantes pudessem construir uma minicoreografia. Na visão da
CE7, essa estratégia é [...] uma ótima forma de promover o movimento livre, de forma
divertida e criativa”. O dinamismo dessas ações, que são mediadas pelos professores,
promove uma participação mais ativa, que parece exigir mais das integrantes: [...] uau!
Ideias, discordâncias, aceitação, paciência, tolerância, empolgação... foi um exercício de
controle das emoções que explodia na gente!” (CE4).
Essa participação ativa, que também figura como elemento da proposta utilizada,
parece ter sido identificada como um componente importante do dia a dia das aulas e,
além disso, como algo que não é comum em outros espaços de práticas corporais. As
metodologias utilizadas estão associadas, geralmente, a abordagens e propostas mais
verticalizadas, assim, [...] pelo fato de as aulas virem apenas com ideias ‘pré-
colocadas’ pelos professores, o grupo participa integralmente das montagens das
coreografias, exercendo o cérebro, corpo e união do grupo” (CE3). Essa categoria é
recorrente nos registros do DE e está, em todas as passagens, relacionada a habilidades
sociais e a amizades (SENNETT, 2012): [...] tudo vai sendo cuidadosamente
278
Jéssica S. Y. S. Oliveira; Felipe S. Silva; Fernanda R. Menegaldo; Marco Antonio C. Bortoleto
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construído no decorrer do semestre. E vamos aprendendo a juntar ideias, compartilhar,
unir, discordar com empatia, respeitar e criar” (CE4).
Ademais, a relação entre participação ativa e desenvolvimento de habilidades
sociais merece destaque, pois converge com muitos relatos de experiência e pesquisas
da área, que dizem que a GPT promove a interação social, ou ainda, a socialização
(MENEGALDO; BORTOLETO, 2020b; SILVA, 2020). De forma mais profunda, essa
relação pode ser explicada na medida em que entendemos a cooperação elemento
chave da prática da GPT a partir de seu entendimento como uma prática em grupo, ou
ainda, sociomotriz (PARLEBAS, 2001; MENEGALDO; BORTOLETO, 2020a) como
uma habilidade social, nos termos de Sennett (2012). Dessa forma, as participantes, ao
serem expostas semanalmente a dinâmicas essencialmente colaborativas que promovem
o exercício de expor opiniões, concordar, discordar, dialogar, preferencialmente em uma
perspectiva dialógica, acabam aprimorando essa habilidade: [...] torcemos o nariz para
algumas sugestões, adoramos outras, tivemos mais empatia com alguns do grupo, mas
no final foi um trabalho, literalmente, em conjunto!” (CE4).
Assim, a prática da GPT responde a demandas sicas, mas também sociais do
processo de envelhecimento (BUKOV; MAAS; LAMPERT, 2002; HUXHOLD;
MICHE; SCHÜZ, 2014; PINTO; NERI, 2017), momento da vida comum a todas as
integrantes do projeto. O convívio nesse espaço, portanto, extrapola as expectativas
comumente associadas à prática da atividade sica por esse público e tem como produto
o apenas o movimentar-se. O que nos chama a atenção após esse processo é que, mais
do que uma coreografia de ginástica, amizades são construídas no espaço de prática
(MENEGALDO; BORTOLETO, 2020c). CE9 corrobora essa ideia, dizendo que a
prática, [...] além de mexer com nosso corpo, estimula a criatividade, possibilita a
socialização, pois a cada aula entrelaçamos nossas amizades”.
Nesse sentido, identificamos nos registros da CE6 uma fala muito potente: [...] a
princípio, eu não estava disposta a aceitar fazer parte da apresentação. Porém, como
havia criado uma conexão com o grupo, fui forçada, ou melhor, impulsionada por essa
amizade”. Então, após ter relatado ter muita vergonha e timidez, CE6 indica o papel das
relações de amizade construídas no grupo para uma superação pessoal: participar de
uma coreografia e se apresentar em público. Além disso, nas entrelinhas do DE, foi
possível identificar que a superação é algo latente também para outras integrantes,
caminhando lado a lado com a categoria de análise: acessibilidade e respeito dos limites
individuais. Entre as passagens que destacam essa virtude da prática, temos o
comentário que CE3 fez durante as aulas: [...] os limites são sempre respeitados,
integrando todos ao mesmo tempo, sem discriminações”. Além disso, CE7 afirma que
[...] todos participam de acordo com suas possibilidades e condições físicas,
interagindo com o grupo de alguma forma”.
Por sua vez, essa acessibilidade está relacionada à ausência de regras e códigos
gestuais, possibilitando um outro lugar para a prática da GPT que não o da performance:
o lazer. Estudos anteriores já trataram dessas experiências e teceram reflexões sobre a
prática da GPT como uma vertente da ginástica voltada ao lazer (FERNANDES;
EHRENBERG, 2012; FIORIN-FUGLSANG; PAOLIELLO, 2008; OLIVEIRA, 2007),
perspectiva que corrobora as premissas da FIG acerca dessa prática gímnica (FIG,
2019). Considerando isso, a GPT oportuniza uma prática que contempla, na teoria,
corpos com muita ou nenhuma experiência corporal e gestos embebidos de muito ou
nenhum conhecimento gímnico, em uma liberdade que tem relação com a flexibilização
do conceito de “técnica”, nos termos de Bortoleto (2008).
Para além da teoria, propiciar um espaço de prática da GPT que seja coerente com
esse potencial depende também da metodologia empregada para seu desenvolvimento.
279
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Sobre isso, a CE8 comenta que durante as aulas experienciadas no projeto, as
miniapresentações em grupo derivadas das dinâmicas de construção coletiva (após as
dinâmicas de soma de frases citadas anteriormente, por exemplo) são momentos
confortáveis de “exposição”, pois promovem o respeitar dos limites individuais”.
Dessa forma, fica evidente que o professor ou mediador também tem um papel
importante na materialização desse potencial inclusivo, ao propor um desenvolvimento
da prática que dialogue com a diversidade.
Também associada ao método, destacamos a última categoria de análise,
intitulada tematização. Composta por passagens que enalteceram o trabalho da
composição coreográfica, a tematização (ALMEIDA, 2016) aparece como um
facilitador nas dinâmicas coletivas, fomentando um espaço criativo de prática da
ginástica. A integrante CE8, após a aula em que o tema da coreografia final foi
decidido, registrou o seguinte depoimento:
[...] nossa apresentação será supermovimentada: começaremos como idosas,
faremos atividades resgatando nossa cronologia... teremos a fase adulta onde
trabalhamos e a vida corre... na infância nós brincamos e terminaremos
resgatando nossa criança interior, mostrando que não somos “só” idosas!
As esse dia, o grupo se empenhou em trazer elementos que tivessem relação
com o tema e que pudessem ser incorporados em forma de movimentos à
coreografia. As brincadeiras da infância foram um dos elementos explorados pelas
integrantes. A praticante CE10 indica que essa tematização proporciona um
envolvimento maior com a composição e que isso facilita o engajamento do grupo com
o tema e os momentos criativos do processo de composição. Em outra passagem é
possível identificar esse aspecto tratado com muita leveza pela integrante CE6, que
definiu a construção coletiva como “[...] uma série de brincadeiras de criança que
culminou na preparação para a apresentação da coreografia”.
Acerca disso, alguns pontos merecem destaque. Em primeiro lugar, ressaltamos a
tematização como uma estratégia que, da mesma forma que a utilização de implementos
(materiais), auxilia no processo de composição coreográfica coletiva, figurando como
um disparador, um ponto de partida ou ainda uma “ideia-guiapara as explorações e
dinâmicas anteriores. Isso permite que participantes em geral tenham liberdade criativa,
ainda que a coreografia seja desenhada pela temática escolhida (ALMEIDA, 2016).
Além disso, é importante pensarmos que elementos como os implementos (material) ou
a temática podem também contribuir para a formação de grupos com baixo repertório
gímnico, isto é, com integrantes que ainda não possuem domínio de muitas técnicas
corporais (movimentos ginásticos) para compor as coreografias. Nesse sentido, o uso
bem explorado de um material alternativo (IWAMOTO et al., 2016) ou ainda a
utilização do tema em momentos expressivos ou “cênicos” durante a coreografia podem
ser estratégias interessantes para aumentar as possibilidades estéticas no momento da
composição.
A EXPERIÊNCIA DE APRESENTAR NOS FESTIVAIS
A participação em eventos e festivais ginásticos tem um papel importante para
praticantes de GPT, como ressaltam Patrício e Bortoleto (2015), permitindo a interação
com pessoas de diferentes faixas etárias, oportunizando uma maior diversidade
gímnico-cultural e ofertando diferentes experiências estéticas. Pensando também o
contexto deste estudo, esses benefícios parecem se multiplicar, pois, para além dos
aspectos elencados, a participação nos eventos e a consequente apresentação da
coreografia tiveram outros desdobramentos na perspectiva das integrantes.
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DOI: http://dx.doi.org/10.29181/2594-6463.2020.v4.n3.p272-285
Entretanto, antes de adentrar nesses relatos, detalhamos, de forma breve, os dois
eventos nos quais o grupo teve a oportunidade de participar: a) Festival da FEF-
Unicamp, realizado semestralmente pela instituição, que congrega apresentações de
ginástica, circo, dança e outras práticas, com participantes de diferentes faixas etárias e
contextos (extensão universitária, alunos da instituição, escolas, clubes, associações); b)
Evento comemorativo de encerramento das atividades do PU, que reúne participantes de
todas as suas linhas (Arte e Cultura; Esporte e Lazer; Saúde Física e Mental;
Sociocultural; e Geração de Renda). Ambos os eventos ocorreram após a decima quinta
aula do projeto, ou seja, após um período que nos parece fundamental para a
consolidação do grupo, para o entendimento da proposta e da relevância que a
apresentação pública tem como “amalgama” do processo.
Dessa forma, a participação nos eventos desdobrou-se, aos olhos das integrantes,
em uma experiência única de superação e melhora da autoestima. Apresentar-se no
festival foi, para todas, uma experiência positiva e, para mais da metade delas, uma
vivência diferente, dado que não haviam participado de apresentações em público
anteriormente. Nesse sentido, CE1 traz um registro sobre como se sentiu no momento
da apresentação, trecho que, a nosso ver, flerta não apenas com a questão da autoestima,
mas também com uma sensação de segurança, ao relatar não sentir vergonha alguma
durante sua participação: [...] meu Deus! Participar do festival! Que incrível! Eu me
senti estrela, poderosa, confiante, sem nenhum pingo de vergonha!”. Também sobre a
exposição causada pela apresentação, CE6 que a princípio não participaria da
coreografia por conta de sua timidez, como mencionado foi convencida a participar
por conta dos laços criados com as integrantes do grupo, comentando que: [...] quando
decidi participar, o curso acabou tomando outro rumo para mim. E, como consequência,
acabo de me apresentar em público... duas vezes!”. Novamente, é possível identificar
nas entrelinhas a questão da superação, além da importância do “tornar público” a
composição coreográfica, oferecendo uma experiência desafiadora para muitas das
participantes. Depoimentos nesse sentido também foram registrados por Silva (2020),
ao entrevistar praticantes idosas de GPT.
Essas falas também nos remetem a uma valorização de si e indicam, como em
outras passagens, que o ato de se apresentar materializa uma sensação de superação ou,
em outras palavras, que o tornar público” consagra essas superações, possibilitando
que elas mostrem para si e para seus pares movimentos e ações que elas nem mesmo
acreditavam que conseguiriam fazer. Um trecho do registro no BE da integrante CE11
ilustra perfeitamente esse ponto: [...] participar do festival foi um desafio para mim.
Pude me conhecer melhor, me sentir forte, otimista, com a certeza de que eu consigo, eu
posso... eu venci! Me senti muito orgulhosa de mim!”.
A partir desses depoimentos, então, é indiscutível que para esse grupo de
praticantes a apresentação da coreografia teve desdobramentos positivos. No entanto,
para entender esses trechos é necessário resgatar o contexto no qual essas pessoas estão
inseridas: o processo de envelhecimento. Considerando isso, é importante nos
atentarmos para a construção de estereótipos durante essa etapa da vida, visto que a
maioria deles são estabelecidos externamente. Ademais, o declínio de uma vida ativa no
mercado de trabalho também se combina a essa questão, sendo um aspecto que pode
levar à sensação de exclusão ou inutilidade (BULLA; KAEFER, 2006). Assim, a pessoa
idosa pode ser conduzida a crer que suas possibilidades de ação se esgotaram ou foram
minimizadas por conta das mudanças de sua vida cotidiana (BUKOV; MAAS;
LAMPERT, 2002; KIM et al., 2014; LEVY et al., 2002), logo, experienciar algo
diferente a essa altura da vida a faz lembrar e crer em suas potencialidades e alternativas
também durante o envelhecimento.
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Essa discussão nos encaminha para a segunda categoria de análise dos dados do
BE: sensação de produtividade-utilidade. Nela, pudemos identificar passagens que
corroboram a literatura e que reforçam a importância de uma vida ativa, o apenas no
sentido do exercício físico per se, mas de uma participação que prevê a interação social,
a reflexão e o fomento à criatividade, a exposição a desafios e tarefas inovadoras e a não
subestimação das capacidades sicas e intelectuais. Dessa forma, vê-se claramente um
alinhamento potente entre as demandas do processo de envelhecimento (KIM; KIM;
KIM, 2013) e a proposta do projeto, que permite esse envolvimento para além da
atividade sica e de seus benefícios fisiológicos.
Mais especificamente, a possibilidade de participação ativa durante as aulas e as
dinâmicas propostas viabilizam que as integrantes tenham uma coautoria nesse espaço,
que se torna, mais do que um local de prática, um local de engajamento e produção de
algo. A participante CE9 faz uma comparação interessante ao falar sobre a coreografia,
dizendo que “[...] quando jovem, havia feito Ginástica Rítmica..., mas quer saber?
Agora eu consegui produzir muito mais do que naquela época!”. Com essa passagem ela
indica essa sensação de contribuir para a construção de algo no espaço de prática.
CE11 traz um relato similar que indica, inclusive, uma relação entre esse tópico e o
engajamento do grupo: [...] conseguir produzir e apresentar uma excelente
coreografia... Acredito que isso nos fez despertar para o espírito do exercício físico em
equipe!”.
Assim, a questão das relações sociais, tão evidente nos registros do DE, também
aparece nas entrelinhas dos registros do BE, como é possível identificar na fala presente
no parágrafo anterior. No entanto, por tratar-se de dois momentos pontuais as duas
apresentações os registros evidenciam maior ênfase no contato com um público mais
jovem, no caso do Festival da FEF, e com os pares, durante o evento de encerramento
do PU. Nesse sentido, adentramos em nossa última categoria, na relação com os
espectadores. Primeiramente, sobre o encerramento do PU, foi possível identificar algo
próximo do que poderíamos denominar como um reconhecimento pelos pares durante o
ato da apresentação, tendo em vista que os espectadores do evento eram, em sua
maioria, colegas e conhecidos das integrantes do projeto, uma vez que frequentam
outras atividades ofertadas pelo PU. Dessa forma, a fala da CE12 ilustra esse momento
e ressalta os elogios recebidos pelos seus pares após a apresentação: [...] meus colegas
do coral e outros que me conhecem de outras oficinas vieram dar parabéns e elogiaram
nossa apresentação!”. Essa fala nos remete não só ao fato de um compartilhamento entre
os pares, mas também à valorização daquilo que foi compartilhado, o que, nesse caso,
pode ser identificado como elogio.
Combinado a isso, outras passagens interessantes e que parecem indicar satisfação
e alegria dizem respeito aos espectadores e participantes do Festival da FEF, em que as
integrantes comentam terem tido contato com um público jovem: [...] foi muito bom a
experiência de se apresentar em um Festival de jovens universitários!” (CE12). Essa
vivência de dividir o momento com outras faixas etárias vem sendo explorada na
literatura, principalmente com relação a práticas intergeracionais (CARLETO, 2013;
MARTINS, 2019; MOTA; NEVES, 2019; FRANÇA et al., 2010), muitas vezes
destinadas à compreensão dessas relações no ambiente familiar.
No entanto, especificamente acerca das práticas corporais, muito ainda pode ser
explorado. No caso da GPT, esse ambiente de troca entre diferentes gerações é uma
opção não apenas durante eventos ou festivais, mas também e principalmente na
constituição de grupos. Por conta de suas particularidades, essa prática gímnica se
molda facilmente aos grupos compostos por diferentes faixas etárias, podendo
transformar-se em uma opção de prática que, para além dos benefícios aqui elencados,
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também pode contribuir para a disseminação das práticas intergeracionais que, em
concordância com França et al. (2010), promovem a solidariedade intergeracional. Esta,
por sua vez, auxilia [...] não na quebra de preconceitos sociais frente ao
envelhecimento, como na melhoria da qualidade de vida de jovens e idosos” (FRANÇA
et al., 2010, p. 521). Encerramos, portanto, a análise dessa categoria com a fala da CE1,
quando comenta em seu registro: [...] sou cada dia mais jovem porque vocês existem
na minha vida!”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entre as oito categorias de análise aqui apresentadas, algumas delas merecem
destaque ao discutirmos a prática da GPT pelo público idoso. Com relação às discussões
provenientes dos DE, isto é, dos registros do processo composição coreográfica,
destacamos a participação ativa e o desenvolvimento de habilidades sociais e amizades
no interior do grupo, frutos de uma prática da GPT subsidiada por uma proposta
pedagógica que fomenta a construção coletiva não apenas da coreografia, mas do
espaço de prática. Ademais, merece destaque também a categoria superação e melhora
da autoestima, discutida a partir dos dados coletados após as apresentações nos eventos
(BE). Essas categorias se sobressaem na medida em que convergem com as demandas,
previstas na literatura, acerca do processo de envelhecimento, viabilizando um espaço
de prática onde as integrantes: o são apenas “alunas”, mas coautoras dos processos ali
desenvolvidos; não se beneficiam somente das melhoras fisiológicas da atividade física,
mas constroem amizades, engajam-se e desenvolvem habilidades comunicativas e
cooperativas; e, por fim, o cumprem apenas o senso comum de um programa de
atividade física (exercitar-se), mas tornam público o produto desse espaço de prática e
desafiam-se em novas experiências.
Destarte, embora este estudo indique benefícios e efeitos positivos desse espaço
de prática da GPT para as integrantes do grupo, é necessário reconhecer que o projeto
“Corpos Experientes” está ainda em construção, considerando sua trajetória iniciada em
2018. Nesse sentido, os registros também indicam alguns possíveis ajustes ou alterações
de maneira a aprimorar a realização das aulas e o desenvolvimento, por exemplo, de
uma composição coreográfica: destinar mais encontros para os ensaios da coreografia é
uma demanda que foi sugerida pelas alunas e também percebida pelos professores do
projeto. Além disso, ampliar e diversificar os espaços de apresentação, inclusive para a
comunidade externa à Unicamp, parece ser uma ideia viável que não só diversificaria os
contextos de apresentação, mas também permitiria alcançar mais pessoas e propagar a
possibilidade da prática da GPT pelo referido público.
Considerando o exposto e reconhecendo os limites da pesquisa por se tratar de um
estudo de caso, enfatizamos a importância de um olhar mais atento para o público idoso
no que diz respeito ao espaço destinado a ele dentro no universo da GPT. Finalizamos,
portanto, propondo uma pergunta: quais são os produtos que a GPT pode oferecer aos
seus blicos? Tendo em vista as diferentes formas de expressão que a GPT pode
proporcionar, não temos dúvidas de que os caminhos para o desenvolvimento dessa
prática são múltiplos no que diz respeito à metodologia (processo pedagógico) e
sabemos que essas escolhas podem favorecer ou não o processo de desenvolvimento
individual e social tão presente nos depoimentos. O que apontamos, portanto, a partir
dessa experiência assim como de vivências anteriores, é que o desenvolvimento dessa
prática com base em uma proposta coletiva, que promova a participação ativa,
respeitosa e empática, pode contribuir para o equilíbrio de conflitos e a obtenção de
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consensos. Com isso, o processo tende a intensificar as relações entre as participantes
podendo resultar, para além de belas composições coreográficas, em amizade,
superação, engajamento e reconhecimento social, contribuindo, portanto, para uma
melhor experiência dessa etapa da vida.
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Recebido em: 17 out. 2020.
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