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Guilherme de Arruda Carvalho Freitas; Fábio Ricardo Mizuno Lemos
Motricidades: Rev. SPQMH, v. 7, n. 3, p. 171-181, set.-dez. 2023 | ISSN 2594-6463 |
DOI: http://dx.doi.org/10.29181/2594-6463-2023-v7-n3-p171-181
(KUNZ, 2006, p. 69). Kunz (2006) ainda define que as encenações ocorrem em diferentes
dimensões da prática pedagógica (trabalho, interação e linguagem) e ajudam na compreensão
de um contexto social que “[...] precisa ser interpretado na busca de uma superação de
condicionantes alienadores e opressores deste que constituem igualmente o mundo dos
esportes” (p. 69). Ou seja, a pedagogia do esporte edificada sob diferentes vivências e
propostas de ensino é agente de mudança e portadora do desequilíbrio para uma existência
esportiva condicionada e limitada pelo esporte espetáculo que reforça experiências de
insucesso e desigualdades institucionalizadas em seu seio.
Em Freire (2021a) também podemos basear essa perspectiva percebida através da
problematização do que é tradicional, pois:
[...] enquanto a prática bancária [...] implica uma espécie de anestesia,
inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de
caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento
da realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo
contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção
crítica na realidade (FREIRE, 2021a, p. 176, grifos do autor).
A prática educativa “bancária” tem características de imobilidade, uma estrutura fixa
que pretende parecer definitiva e imutável. No entanto, em razão da inconclusão do ser
humano que, para ser, tem que estar sendo (FREIRE, 2021a), a educação também precisa
fundar-se em uma visão de questionamento do que se apresenta pronto e acabado, do que é
tradicional e costumeiro. “Enquanto a concepção ‘bancária’ dá ênfase à permanência, a
concepção problematizadora reforça a mudança” (FREIRE, 2021a, p. 180).
Portanto, a educação que se projeta progressista jamais será restritiva ou permitirá que
alguém deixe de ser protagonista de sua própria busca. Para Freire (2021a, p. 183), “[...] esta
educação, em que educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo, superando o
intelectualismo alienante, superando o autoritarismo do educador ‘bancário’, supera também a
falsa consciência do mundo”.
Não podemos deixar também de considerar que, por estarem no último ano do Ensino
Fundamental, este período vivenciado pelos participantes da pesquisa já se constitui em
significativa mudança: mudança para uma nova etapa da escolarização, mudança de escola,
mudança de turma, mudanças no corpo, entre outras. Consequentemente, este momento
vivido interna e externamente por cada participante também tem conexões com sua percepção
a respeito do que foi desenvolvido durante a pesquisa.
Nos discursos discentes a seguir estão alguns exemplos das mudanças: A mudança
para modelos inovadores de ensino do esporte trouxe vantagens para Aquiles (9º A): “Eu
gostei, eu aprendi até a arremessar melhor”. Nuno (9º A) também enxerga os modelos
inovadores pelo lado positivo: “[...] a questão do treino é bom porque melhorou meu
arremesso, melhorou muito meu drible, o treino melhorou muito minha ação de jogo”.
A característica competitiva, de modelos inovadores de ensino, exigia a formação fixa
de equipes durante toda a temporada. Enrico (9º A) vê nesta questão uma vantagem prática:
“A organização de ter time fixo é melhor, mais rápida”. Contudo, Simone (9º A) exemplifica
os problemas dessa estrutura ao lembrar que “[...] às vezes uma pessoa do time falta e o time
fica sem jogadores...” e “No último dia, a gente teve que desfazer um time”.
Para sintetizar o aspecto de mudança sinalizado nos discursos discentes, utilizaremos
uma analogia com o processo de entrar em uma piscina gelada em um dia de calor.
Assumindo a possibilidade de decidir aproveitar o dia sem se refrescar na piscina
(principalmente para quem ainda não sabe nadar), há quem prefira mergulhar de uma vez e
acelerar o processo de adaptação, vivenciando uma sensação breve de desconforto. E há uma
maioria que, normalmente, começa experimentando a temperatura pelas extremidades do