v. 7, n. 3, p. 182-195, set.-dez. 2023 | ISSN 2594-6463 |
Motricidades: Rev. SPQMH, v. 7, n. 3, p. 182-195, set.-dez. 2023 | ISSN 2594-6463 |
DOI: http://dx.doi.org/10.29181/2594-6463-2023-v7-n3-p182-195
Mulheres negras no ensino de arte e a superação do racismo
Black women teaching art to overcome racism
Mujeres negras en la enseñanza del arte y la superación del racismo
JAQUELINE DA SILVA DE ASSIS
1
; PAULO CÉSAR ANTONINI DE SOUZA
2
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, SME, CHAPADÃO DO SUL-MS, BRASIL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, UFMS, CAMPO GRANDE-MS, BRASIL
RESUMO
Este artigo reúne contribuições de uma pesquisa desenvolvida com o objetivo de compreender como as
acadêmicas negras do curso de Artes Visuais Licenciatura da Faculdade de Artes, Letras e Comunicação da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul percebem as relações de raça e preconceito nas artes visuais e em
sua formação docente. O desenvolvimento da pesquisa buscou conexões entre o campo artístico e o
protagonismo da mulher negra e, por meio de uma metodologia qualitativa analisou três monografias produzidas
por acadêmicas negras no peodo de 2015 a 2018. No processo, foram delineadas três categorias temáticas: A)
Reflexões sobre a mulher negra; B) A mulher negra como artista; C) A mulher negra como professora. Nas
considerações destaca-se a necessidade de revisão curricular para o ensino de arte com a valorização de artistas
negras, respeito e sensibilização com a participação negra na história do Brasil, visando à superação do
preconceito e do racismo.
Palavras-chave: Formação Docente. Arte Brasileira. Educação para as Relações Étnico-Raciais.
ABSTRACT
This article compiles contributions from a research project aimed at comprehending how black female students
in the Visual Arts Teaching program at the Faculty of Arts, Letters, and Communication of the Federal
University of Mato Grosso do Sul perceive racial relations and prejudice in visual arts and their teacher training.
The research sought connections between the artistic domain and the role of black women. Through a qualitative
methodology, it analyzed three theses produced by black female students between 2015 and 2018. Throughout
this process, three thematic categories were delineated: A) Reflections on black women; B) Black women as
artists; C) Black women as teachers. In the conclusion, the need for a curriculum revision in art education is
emphasized, focusing on the appreciation of black artists, fostering respect and awareness of black contributions
to Brazils history, with the aim of overcoming prejudice and racism.
Keywords: Teacher Education. Brazilian Art. Education for Ethnic-Racial Relations.
RESUMEN
Este artículo reúne las contribuciones de una investigación desarrollada con el propósito de comprender cómo las
académicas negras del curso de Licenciatura en Artes Visuales de la Facultad de Artes, Letras y Comunicación
de la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul perciben las relaciones de raza y prejuicio en las artes visuales
y en su formación docente. El desarrollo de la investigación buscó establecer conexiones entre el ámbito artístico
y el protagonismo de la mujer negra y, mediante una metodología cualitativa, analizó tres monografías
producidas por académicas negras en el período de 2015 a 2018. En el proceso, se delinearon tres categorías
temáticas: A) Reflexiones sobre la mujer negra; B) La mujer negra como artista; C) La mujer negra como
profesora. En las conclusiones, se destaca la necesidad de revisar el plan de estudios para la enseñanza de arte
con la valorización de artistas negras, el respeto y la sensibilización sobre la participación negra en la historia de
Brasil, con el objetivo de superar el prejuicio y el racismo.
Palabras clave: Formación Docente. Arte Brasileña. Educación para las Relaciones Étnico-Raciales.
1
Professora de Arte na SME de Chapadão do Sul-MS. Membra do Grupo de Pesquisa: Núcleo de Investigação
de Fenomenologia em Artes (NINFA). E-mail: jaqueline.assis21@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-
0000-9130-7056.
2
Professor Adjunto dos cursos de Artes Visuais Licenciatura e Bacharelado e no Programa de Mestrado
Profissional em Artes da Faculdade de Artes, Letras e Comunicação na UFMS. Líder do NINFA. E-mail:
paulo.antonini@ufms.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4040-1485.
183
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INTRODUÇÃO
Nunca se esqueçam das lições aprendidas na dor
(Ditado africano).
Este artigo se constitui por aportes de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para
o Curso de Artes Visuais Licenciatura na Faculdade de Artes, Letras e Comunicação
(FAALC) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). A curiosidade inicial
para a investigação, que resultou na monografia, emergiu durante a disciplina Arte Brasileira,
cujas aulas promoveram um processo reflexivo em torno da presença de artistas negras no
ensino e na história da arte no Brasil, especificamente nas artes visuais
3
.
Destacamos reconhecer que existem artistas negras e negros, com produções
catalogadas e cujos registros alcançam algumas das discussões sobre a arte nacional no Brasil,
mas ainda assim, nos provoca inmodo verificar que esses registros são nimos e que,
especialmente as artistas mulheres têm pouca representação. Compreendemos que as
concepções sobre as relações raciais e como elas estão presentes na trajetória de vida das
pessoas negras são significativas para contemplarmos esse contexto, considerando que em
nosso país, o imaginário nacional foi historicamente moldado, dificultando a percepção do
racismo velado pela branquitude, que em acordo com Denise Carreira (2013, p. 75):
[...] compreendida como um sistema de valores e comportamentos que
toma o ser branco como o modelo universal de humanidade, o representante
de todas as pessoas. Esses valores levam a uma espcie de cegueira social,
fazendo com que parte das pessoas brancas não consiga enxergar a dor das
que enfrentam discriminação tnico-racial. A branquitude faz com que
muitos entendam como natural a desigualdade entre pessoas de diferentes
pertencimentos raciais.
Essa desigualdade às vezes não é percebida nem por aquelas que vivenciam tal
realidade. São inúmeras situações de preconceito para com as mulheres negras, uma realidade
que a sociedade não enxerga ou não quer enxergar, na perspectiva de que:
O racismo opera estruturalmente na formação social capitalista.
Estrategicamente funciona como mecanismo definidor de lugares sociais.
Com a atual ofensiva do conservadorismo, as antigas desigualdades advindas
do período colonial escravista são reeditadas e têm resultado em profundas
violações de direitos humanos, as quais dilaceram e despotencializam essas
populações (MADEIRA; GOMES, 2018, p. 477).
Na contemporaneidade podemos perceber cada vez mais mulheres negras contando
suas próprias histórias, principalmente a partir do campo das Artes, superando uma ausência
que é derivada de uma noção preconceituosa da história da arte, na perspectiva de que [...] ou
os artistas negros o eram historiados, ou a arte de origem negra ou africana era
desconsiderada história da arte (SALUM, 2004, p. 337).
A partir da experiência da autora que integra a escrita deste trabalho, percebe-se que
os corpos humanos cujas características demonstram a descendência africana são vistos com
reservas, causando formas plurais de violência, alimentada por um sistema que reforça os
estereótipos. Até bem pouco tempo, como podemos observar na programação televisiva, as
3
É oportuno sinalizar que esse mesmo fenômeno se repete também nas artes cênicas e na música.
184
Jaqueline da Silva de Assis; Paulo César Antonini de Souza
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artistas negras que trabalhavam nesta dia, seja em filmes, novelas ou propagandas, como
indicam os estudos de Juliana Santana (2010); Fernanda Barbosa dos Santos e Renata
Pitombo Cidreira (2019); Marcia Rangel Candido e João Feres Júnior (2019), assumiam
personagens como empregadas domésticas, babás, escravas, dentre outras.
Personagens médicas, arquitetas e etc., ainda são exceção, pois existe um padrão de
beleza que promove o embranquecimento de personagens de destaque. Nos raros casos em
que a negra e o negro protagonizam papéis fora da esfera subalterna, estes são considerados
desvio de norma, superando o preconceito, problemática também observada por Ana Ângela
Farias Gomes e Victor Ramos (2023). De acordo com a análise de Sirlene Alves e Marcelino
Rodrigues (2018), as influências das matrizes africanas na arte brasileira são evidentes,
permeando o ritmo da música, a energia da dança, as cores e formas das artes visuais,
abrangendo diversas linguagens de expressão de diversas maneiras. No entanto, [...] tanto as
heranças artísticas e culturais negras, quanto às obras de arte de negros e seus descendentes
o recebem a devida contextualização como produto de um grupo social que possui uma
memória e uma identidade (ALVES; RODRIGUES, 2018, p. 802).
Destacamos que, nesse aspecto, o modo como os empregos são estruturados na
sociedade tem efeito direto na questão racial, resultando em desigualdade de direitos e
discriminação, muitas vezes imperceptível e não reconhecida pelas próprias timas
(NOGUEIRA, 2007; SILVA, 1999). Essa discriminação revela uma atitude culturalmente
condicionada desfavorável em relação a grupos estigmatizados.
As escolas ainda enfrentam essas questões e, apesar de serem um espaço adequado
para discussões sobre a igualdade racial, a valorização do conteúdo obrigatório estabelecido
na Lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008), que inclui a temática História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena no currículo oficial da rede de ensino, ainda é limitada. Embora tenha
havido progressos desde sua implementação, existem barreiras a serem superadas, como a
maneira pela qual esse conteúdo é abordado.
Tanto nas escolas blicas quanto nas escolas particulares, o cumprimento da lei
depende do interesse de cada indivíduo. Para compreender plenamente as vantagens da Lei
11.645/2008 (BRASIL, 2008), que representa um marco histórico na luta antirracista no
Brasil e na transformão da potica educacional e social do país, são necessárias estratégias
de formação que possibilitem a compreensão do racismo, sua existência e a busca de sua
superação, enfatizando a valorização e o respeito pela cultura africana e pela população negra.
Observamos que esse processo se ordena, como compreende Souza (2022), de forma
ontológica
4
, e suas etapas podem promover práticas escolares reflexivas que auxiliem a
reduzir atitudes discriminatórias ou preconceituosas, como tamm preconiza bell hooks
5
(2013). Nesse contexto, o trabalho com a cultura afro-brasileira nas escolas, especialmente
nas aulas de arte, oferece a oportunidade de construir narrativas que valorizem a história de
uma parcela significativa da população que foi historicamente invisibilizada, pois a escola é
[...] uma instituição em que aprendemos e compartilhamos não só conteúdos e saberes
escolares, mas, também, valores, crenças e bitos, assim como preconceitos raciais, de
gênero, de classe e de idade (GOMES, 2003, p. 170) e as professoras e professores, podem e
devem trabalhar a favor da superação desses preconceitos.
Na pesquisa que embasa esta investigação, com o intuito de compreender como as
acadêmicas negras do curso de Artes Visuais Licenciatura da FAALC/UFMS percebem as
relações de raça e preconceito no contexto das artes visuais e em sua formação docente,
4
Nessa perspectiva, destacamos a assunção de uma abordagem fenomenológica que se materialize por uma
construção também epistemológica e metodológica.
5
Nome grafado com letras minúsculas, a partir da orientação da própria autora, para destacar o conteúdo de sua
escrita e não a sua pessoa.
185
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adotamos uma abordagem qualitativa, e amparados por metodologia desta modalidade de
pesquisa, selecionamos e analisamos três trabalhos de concluo de curso produzidos no
período de 2015 a 2018.
A MULHER NEGRA NA ARTE E NA EDUCAÇÃO
O ensino de arte tem como um de seus principais objetivos o desenvolvimento do
pensamento crítico, proporcionando a liberdade de expressão e sensibilidade a todos os alunos
por meio de referências artísticas apresentadas em sala de aula e das produções artísticas que
eles mesmos realizam. Para Ana Mae Barbosa (2017), essa abordagem visa principalmente
permitir que os estudantes expressem seus sentimentos.
Segundo Barbosa (2017), essa didática pode enriquecer significativamente o repertório
artístico dos estudantes durante sua formação, ressaltando que a disciplina de arte nas escolas
o deve ser encarada como um momento de entretenimento ou recreação. Nesse contexto,
quem está no lugar da docência deve atuar na mediação dos processos de ensino e
aprendizagem, estimulando o interesse e a motivação discente, integrando a arte ao cotidiano
e estabelecendo conexões com refencias artísticas.
Ao abordarmos o tema da representatividade das mulheres negras na arte brasileira,
consideramos importante destacar dois pilares essenciais: os movimentos negros e o
feminismo no Brasil. Nos últimos anos, o questionamento sobre o papel da mulher negra na
sociedade brasileira tem agitado as bases sociais, ganhando visibilidade, especialmente quanto
ao lugar de fala, que, segundo Djamila Ribeiro (2017), é um lugar social, uma localização de
poder dentro da estrutura, no sentido de existência. Nesse contexto, para contar a história da
mulher na arte, é necessário destacar que eram homens, na maioria, que tinham acesso à
leitura e à escrita, consequentemente detinham o poder do conhecimento, pois:
Mesmo que muitas mulheres não estivessem marginalizadas dos meios
intelectuais e artísticos, foram poucas as constatações de sua presença
registradas na história. Apesar de terem sido suprimidas em boa parte da
história da arte como artistas, as mulheres foram tema de inúmeras
representações artísticas desde os mais remotos tempos (ALMEIDA, 2010,
p. 57).
As mulheres foram frequentemente excluídas do protagonismo ao longo da história,
especialmente no campo das artes, assumindo, no entanto, um lugar de objetificação por meio
de representações. Os corpos femininos m sido um tema recorrente nas pinturas realizadas
por homens, onde predominava o olhar masculino que detinha o controle da ação e o papel de
criadores de arte.
Essa tendência levava à representação das mulheres em uma variedade de contextos,
muitas vezes reduzindo-as à condição de simples objetos. Como ilustração, na obra O
almoço na relva de Manet, conforme enfatizado por Flávia Almeida (2010), a perspectiva
erótica predominante estava associada a uma reverência e exaltação da beleza, chegando ao
ponto em que a mulher retratada no quadro parecia diretamente conectar-se com o espectador,
como se estivesse declarando: Eu sou o almoço.
Paradoxalmente, a inclusão das mulheres nas instituições de ensino de arte é um marco
histórico relevante. Os registros indicam que esse processo teve início em 1881, quando o
Liceu de Artes e Ofícios, fundado no Rio de Janeiro em 1858, tornou-se a primeira instituição
pública a admitir alunas. Interpretando a proposta daquela instituição de ensino, Ana Claudia
de Moura Cabral (2018) destaca que o ingresso no Liceu visava a [...] capacitação técnica e
artesanal para o surgimento de uma indústria nacional. Com o mesmo raciocínio, a
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inauguração de turmas para mulheres tinha o intuito de proporcionar às mulheres pobres uma
forma de contribuir no sustento de suas famílias (CABRAL, 2018, p. 113).
A Escola Nacional de Belas Artes, também no Rio de Janeiro, abriu suas portas
para mulheres a partir de 1892, e no final do século XIX, de acordo com Andréa Coutinho
(2007), as mulheres começaram a figurar nos salões de arte. Segundo Coutinho (2007),
algumas artistas escolhem criar obras que simbolizam ou evocam experiências corporais e
rituais femininos de forma simbólica, enquanto outras concentram-se em abordar questões
políticas e sociais, denunciando o racismo, a violência e as imposições enfrentadas pelas
mulheres.
uma abordagem autobiográfica nesses trabalhos que revelam a história de vida da
própria artista, transformando vivências pessoais e intimidade em experiências estéticas e, a
partir da década de 1960, com o movimento feminista adquirindo força e impulsionando uma
nova postura social, as mulheres começam a assumir o controle de suas circunstâncias e
conquistar diversos avanços, inclusive no campo das artes. Nesse contexto, elas começaram a
pleitear seus espaços nos museus, organizando exposições próprias, gerenciando galerias e
oferecendo aulas particulares.
Essas ações foram estratégias para contornar as estruturas predominantemente
masculinas e colocar o feminino e sua perspectiva como temas centrais, conforme observado
por Uta Grosenick (2003), com mulheres negras desempenhando papéis como professoras em
universidades, produtoras de arte, curadoras, organizadoras e diretoras culturais. Almeida
(2010) destaca, que simultaneamente a essa onda renovadora dos movimentos libertários,
surgiram novas formas de expressão artística, nas quais o corpo tornou-se um tema de debate
social que convergiu com as lutas sociais pela inclusão de grupos marginalizados, como
negros e homossexuais, além da busca pela emancipação das mulheres.
A questão do corpo como suporte artístico desafiou os conceitos tradicionais da arte
ocidental, levando as mulheres a incorporarem integralmente suas identidades em seus
trabalhos, não apenas dialogando com a sensibilidade, mas também reivindicando seus
espaços públicos como protagonistas de suas vidas. A década de 1980 testemunhou uma
geração mais jovem de mulheres que buscavam mudar o foco temático e inspiração em
diversas imagens, situações e contextos relacionados à condição da mulher, algumas
abordando temas com ironia e humor, mas sempre mantendo a centralidade da identidade
feminina (ALMEIDA, 2010), que nos anos de 1990, ganhou o reforço técnico e arstico da
fotografia.
No contexto desta linguagem e a partir dela, na contemporaneidade do cenário
artístico nacional, destaca-se especialmente Rosana Paulino, que para a pesquisadora Niura
Legramante (2023) tem relevância considerável, uma vez que o trabalho da artista aborda
questões sociais, étnicas e de gênero, revelando as múltiplas formas de violência enfrentadas
pelas mulheres negras, além de expor o racismo estrutural e os vestígios da escravidão ainda
presentes na sociedade contemporânea.
Os movimentos sociais negros alcançaram vitórias significativas, incluindo a
implementação de políticas públicas como as ações afirmativas, que melhoraram o acesso à
Educação para a população negra nas últimas cadas (MOREIRA, 2011). Hoje, podemos
identificar uma presença social e cultural crescente de referenciais de pessoas negras na
sociedade brasileira, embora ainda em escala reduzida.
As questões de nero e a luta das mulheres negras por reconhecimento, respeito e
igualdade tiveram início no Brasil no final da década de 1970, coincidindo com o surgimento
dos movimentos negros, e persistem até os dias de hoje. Em acordo com Ana Angélica
Sebastião (2010), nos últimos trinta anos, houve um avanço nas mobilizações das mulheres
negras, que se uniram em fóruns, coletivos e associações, trabalhando arduamente para
187
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estabelecer um novo referencial simbólico sobre o papel das mulheres negras na sociedade
brasileira.
O feminismo negro no Brasil tem como foco a luta feminista, o combate ao racismo,
ao sexismo e ao patriarcado, e a busca por uma mudança social que desafie esses problemas é
uma empreitada conjunta em direção a uma narrativa renovada, centrada na mulher negra
como agente de transformação. No entanto, é importante considerar que: Ainda que a
experiência coletiva dos povos descendentes dos africanos escravizados tenha sido forjada no
contexto histórico de cada localidade, isso não elimina o racismo como categoria para
repensar as teorias, discurso e práticas feministas num contexto diaspórico (SEBASTIÃO,
2010, p. 71).
Voltando ao campo educativo, destacamos que a presença de docentes negros, e
especificamente a da professora negra no espaço público, rompe barreiras profissionalmente
6
,
interferindo na manutenção dos vários estereótipos criados sobre o negro brasileiro,
principalmente aquele que coloca as pessoas negras como incapazes intelectualmente
(MOREIRA, 2011). Nesse sentido:
Os diferentes retornos auferidos pelas mulheres de uma luta que se pretendia
universalizante tornava insustentável o não reconhecimento do peso do
racismo e da discriminação racial nos processos de seleção e alocação da
mão-de-obra feminina, posto que as desigualdades se mantêm mesmo
quando controladas as condões educacionais (CARNEIRO, 2003, p. 121).
No contexto da autora que integra essa pesquisa, por sua vivência e significações da
existência, ser professora negra é enfrentar as desigualdades sociais que estão presentes dentro
do campo escolar. Quando questionamos as pessoas que hoje começam a atuar na docência,
são raras, ou mínimas as referências de professoras negras quando estavam cursando o ensino
fundamental e até mesmo o ensino médio
7
. O racismo estrutural e a ausência de
problematização conscienciosa sobre esse fenômeno naquela época não lhe permitia
identificar o preconceito e o racismo.
Hoje percebemos que essa desigualdade também afetava a agressividade e estimulava
um certo tipo de discriminação velado por brincadeiras na escola. Assim como para ensinar
a ler e a escrever, precisamos de exemplos práticos para legitimar as identidades negras na
sociedade, nos colocarmos no lugar do outro para combater a discriminação e acompanhar os
processos que envolvem o desenvolvimento dessas ações para ampliar a possibilidade de que
a transformão aconteça.
Entre os desafios que limitam a implementação eficaz da legislação (BRASIL, 2003;
2008; 2011) no currículo escolar, destaca-se a falta de formação e capacitação dos professores
para abordar essa temática de forma adequada em suas aulas. Podemos ainda observar nessa
carência a dificuldade que muitos docentes sentem em incorporar a cultura afro-brasileira em
suas aulas de arte, sem contextualização histórica e desconhecendo os símbolos e significados
subjacentes, limitando-se, por exemplo, à crião de máscaras africanas.
No âmbito da formação docente, é relevante destacar que no currículo dos cursos de
licenciatura, existe uma disciplina dedicada às relações étnico-raciais. Especificamente na
6
Atualmente, com base em dados da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEB/UFMS) por meio da
Secretaria de Acessibilidade e Ações Afirmativas (SEAAF/DIIEST/PROAES), temos a informação que, do total
de 1489 docentes efetivos na UFMS, 293 se identificam como pretos ou pardos. Dentre os 75 substitutos, 17 se
identificam como pretos ou pardos, e do contingente de 38 visitantes, 07 se identificam como pretos ou pardos.
7
Destacamos aqui que reconhecemos que pode haver uma variação geográfica que oferece outros resultados
para essa constatação. Por esse motivo, esclarecemos que essa observação envolve a experiência da autora e do
autor deste artigo, a partir das regiões centro-oeste e sudeste do Brasil.
188
Jaqueline da Silva de Assis; Paulo César Antonini de Souza
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UFMS, essa disciplina foi implementada desde 2011, abordando diversos picos
relacionados a essa temática e com nomenclatura variada: Cultura e Relações Étnico-Raciais;
Educação das Relações Étnico-Raciais; Educação e Relações Étnico-Raciais; Educação e
Relações Étnico-Raciais; Relações Étnico-Raciais; picos Especiais XII - Educação para as
Relações Étnico-Raciais
8
.
No entanto, em muitos casos, há um descaso institucional em relação a essa disciplina,
refletido na indicação de docentes sem a devida capacitação, pesquisa ou formação adequada
para ministrá-la, como aponta Verônica Ferreira (2018). Isso perpetua preconceitos e
equívocos, estabelecendo um ciclo que pode se repetir quando esses licenciandos estiverem
atuando no ensino básico.
Pensando nesse ciclo e na potencial quebra dele nos anos vindouros, a investigação
pela qual se articula esse artigo se volta para a formação docente. Considerando elementos e o
espaço no qual se encontram envolvidos a autora e o autor deste trabalho, foi lançado um
olhar para o modo como outros Trabalhos de Conclusão de Curso, do curso de Artes Visuais
Licenciatura, apresentam constrões nesta temática.
A PESQUISA DE/SOBRE MULHERES NEGRAS NO TCC DE ARTES VISUAIS
Para atingir nosso objetivo nesta investigação, adotamos uma abordagem qualitativa,
conforme preconizado por Bogdan e Biklen (2004), ordenando-nos por uma pesquisa
bibliográfica, cujas fontes primárias (BERTUCCI, 2014) foram os trabalhos de conclusão de
curso do programa de Artes Visuais Licenciatura da FAALC da UFMS. O material
consultado, pertencente ao acervo do curso de Artes Visuais Licenciatura, é de caráter público
e foi selecionado com base em um recorte temporal que abrange o período de 2015 a 2018.
A seleção seguiu três critérios específicos: a autoria dos trabalhos por mulheres
negras, a abordagem de temáticas relacionadas à negritude e a elaboração de projeto de curso
para o ensino de artes visuais
9
com foco nessa perspectiva, afinal Os investigadores
qualitativos partem para um estudo munidos dos seus conhecimentos e da sua experiência,
com hipóteses formuladas com o único objectivo de serem modificadas e reformuladas à
medida que vão avançando (BOGDAN; BIKLEN, 2004, p. 83). Em acordo com esses
critérios, foram encontrados três trabalhos de conclusão de curso.
Apesar de se tratar de documentos de acesso público, requisitos obrigatórios para a
conclusão do curso de Artes Visuais Licenciatura, optamos, neste artigo, por preservar o
anonimato das autoras dos trabalhos pesquisados, em respeito ao fato de que em dois deles o
volume final não estava dispovel para consulta
10
. Desse modo, para a análise, utilizamos um
trabalho em formato digital em PDF, na versão final, produzido no ano de 2015 sob autoria da
Acadêmica A; um trabalho impresso na versão da banca final, produzido no ano de 2016 e
8
Os dados de 2019 fornecidos pelo Setor de Gestão de Recursos Humanos, por orientação da Pró-Reitoria de
Graduação (PROGRAD), revelam que, dos 45 docentes que lecionaram disciplinas relacionadas às relações
étnico-raciais na UFMS, 17 se autodeclararam como pretos ou pardos, 2 como indígenas e 19 como brancos,
enquanto sete pessoas não forneceram informações ou autodeclaração.
9
O projeto de curso para o Ensino de Artes Visuais envolve a construção, no curso de Artes Visuais Licenciatura
da Faculdade de Artes, Letras e Comunicação na UFMS, de uma sequência didática com dez aulas a partir do
tema de pesquisa dos formandos e subordinado à Resolução CNE/CES nº 1, de 16 de janeiro de 2009, dispovel
em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2009/rces001_09.pdf.
10
Devido a experiências semelhantes em outros cursos, a instituição começou a implementar, a partir de 2023,
um sistema em que cada estudante disponibiliza o trabalho na sua versão final, após a banca de avaliação e
eventuais corrões, para arquivamento no repositório institucional.
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pertencente à Acadêmica B e um trabalho impresso em sua versão finalizada, de autoria da
Acadêmica C, produzido no ano de 2017.
No decorrer desse processo, foi realizada uma leitura minuciosa de cada um dos
trabalhos, buscando identificar como cada autora abordou as questões envolvendo a presença
da mulher negra e sua conexão direta com a educação, em particular, com o ensino de artes
visuais. Essa análise seguiu os princípios delineados por Bogdan e Biklen (2004), envolvendo
a busca sistemática e organização dos dados disponíveis na perspectiva de aprofundar a
compreensão sobre essas produções, incluindo a identificação de padrões e aspectos
relevantes para alcançar os objetivos da pesquisa. Ao reunir e organizar esses dados, surgiram
três categorias: A) Reflexões sobre a mulher negra; B) A mulher negra artista; C) A mulher
negra professora.
A) Reflexões sobre a mulher negra
Nesta categoria, são apresentadas reflexões sobre a condição da mulher negra na
sociedade, destacando excertos que enfatizam essa característica. Tradicionalmente, a
perspectiva predominante era a do homem branco heterossexual, no entanto, com a quebra
dessa norma, visualizamos uma nova perspectiva, cujas experiências também refletem dados
que tentam superar os campos de racismo.
Nas reflexões da Acadêmica C (2017)
11
, a representação socialmente estigmatizada do
corpo da mulher negra persiste na sociedade atual e é perpetuada por diversos setores, com
destaque para a dia. Por essa razão, é essencial realizar uma análise crítica da maneira
como esses setores retratam a mulher negra e compreender seu papel na construção de
identidades contemporâneas. Segundo ela, essa representação acaba por se naturalizar, e essa:
[...] naturalização de modo que se percebe a mulher negra, é construída
através de discursos, representações e mitos, reproduzidos historicamente.
As mulheres negras carregam bem mais que um corpo objeto, mas um corpo
sujeito e que resiste, visto no momento em que refletimos sobre as condições
que lhes foram submetidas no peodo escravista, pós-escravista, mas que
ainda assim, nos dias atuais mantêm suas raízes através da sua identidade
cultural (ACADÊMICA C, 2017, p. 16).
Quando se olha para o corpo da mulher negra, é preciso entender que o mesmo é
permeado por valores e sentidos construídos histórica e socialmente. A demarcação do lugar
do povo negro já demonstra a forma social que esse corpo ocupa, seja em excluo ou
exploração, quando submetido a um controle social. Em sua maioria, esses corpos, quando
expostos pelas mídias, carregam o estereótipo que vem sendo alimentado desde o período da
escravidão, e:
Embora proceda sob certos aspectos, consideramos que essa afirmativa
possui uma conotação capciosa e perversa, que encobre as manobras de
padrão estabelecidas pela mídia e que são encobertas por uma possível
correlação com a realidade. Esperamos que a mulher negra seja representada
levando-se em conta o espectro de funções e as habilidades que ela pode
exercer, mesmo em condições econômicas adversas (CARNEIRO, 2003, p.
125).
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Para preservar o anonimato das autoras, os trabalhos Acadêmica A (2015), Acadêmica B (2016) e Acadêmica
C (2017), não estarão nas referências deste artigo.
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Jaqueline da Silva de Assis; Paulo César Antonini de Souza
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A luta das mulheres negras contra as manifestações de preconceito e gênero, tem
avançado historicamente, visando garantir seus direitos. No campo das artes visuais, as
linguagens artísticas que as artistas negras utilizam como forma de resistência proporcionam
visibilidade e tornam possível que a mulher negra apresente sua identidade. Nesse sentido, a
Acadêmica A (2015), ao refletir sobre a sua pesquisa, destaca, a partir da obra de Tainá Lima,
que a artista colabora com a construção de um novo imaginário feminino do universo negro,
pois ela [...] expressa por meio desta linguagem [grafite] seu incomodo a respeito dos
padrões estéticos da mulher brasileira vinculados pela mídia, além dos estereótipos e
preconceitos construídos sob a imagem do negro, principalmente sobre a mulher negra
(ACADÊMICA A, 2015, p. 29).
São grandes os desafios em prol da construção de um novo imaginário da mulher
negra nos espaços que ocupamos, e é no sentido de mudar a dinâmica dessa representação,
que elas atuam. Segundo as reflexões de Acadêmica B (2016):
[...] mediadas por problematizações decorrentes da exibição de registros
audiovisuais de performances artísticas sobre a temática racial, [...] serão
confrontadas as perspectivas de artistas contemporâneos negros e brancos
sobre as representações de si nas dinâmicas inter-racial (ou ausência) e
também tensões entre os respectivos grupos étnicos, principalmente em se
tratando do racismo (p. 138).
Nessa perspectiva, quando uma mulher negra alcança a um lugar de destaque na mídia
brasileira, muitas vezes se torna alvo de preconceitos. Além de ser mulher, ela ainda é julgada
pelo fenótipo, segundo o qual, a mulher negra não poderia estar naquele local ou cargo, por
esforço próprio, em uma atitude que se alimenta e alimenta o racismo estrutural, pois:
Poucas são as mulheres negras que chegam a cargos destinados à supremacia
branca. A minoria que ocupa cargos de prestígio, em sua grande maioria é
negra de pele clara, e, com traços entendidos como europeus. É nesse sentido
que os movimentos negros vêm lutando com ões afirmativas, para que
haja maiores possibilidades sociais para a mulher negra (ACADÊMICA C,
2017, p. 17).
Partindo do pressuposto de que os meios de comunicação não apenas transmitem as
representações sociais enraizadas no imaginário coletivo, mas também desempenham um
papel ativo na construção e reconstrução dos sistemas de representação dentro de sua lógica
de produção, concordamos com Sulei Carneiro (2003), quando a autora diz que os meios de
comunicação desempenham um papel central na fixação de imagens e significados
relacionados à mulher negra. A discussão obre as implicações dessas imagens e os
mecanismos que podem promover uma mudança positiva nesse contexto tem sido
amplamente abordada, uma vez que:
[...] em discussões online pautas como a da apropriação cultural m
levantado polêmica entre brasileiros negros e brancos e revelado a presença
dessas narrativas em seus discursos, cito caso da apropriação de turbantes
amplamente discutido na mídia a título de exemplo: coletivos de mulheres
negras que fomentam o empoderamento de suas integrantes a longa data,
revigorada pela conquista de direitos na última cada mediante a
implementação de políticas afirmativas [...] (ACADÊMICA B, 2016. p. 61).
Essa estreita relação entre cor e publicidade coloca a mulher negra fora do padrão, seja
por sua cor de pele, seu tipo de cabelo, formato dos olhos, nariz e boca. Nessa linha do
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preconceito acerca do que se chama natural, é dado um destaque ao cabelo crespo que é
visto como cabelo ruim, que deve ser alisado para ser denominado como cabelo bom, não
crespo.
B) A mulher negra artista
Nesta categoria, encontram-se excertos que abordam a condição da mulher negra
como artista. É importante reconhecer que a história da arte frequentemente esteve sujeita às
normas de uma sociedade dominada por homens, o que resultou em representações da mulher
sob essa perspectiva e frequentemente reduzida a um papel submisso.
Com a arte contemporânea, essa situação tem mudado de lugar. As mulheres cada vez
mais se destacam e contam a sua própria história através da arte, em especial a artista negra,
que consegue se expressar sobre seu ser em suas produções, contando a história de seu povo.
Abrindo novas possibilidades e repertórios para se trabalhar com o tema da Cultura Afro-
brasileira no ensino de arte, a Acadêmica C (2017) traz como imperativo reconhecer as
individualidades que contribuíram para a formação da sociedade brasileira e entender como
essas individualidades foram e continuam sendo representadas na sociedade contemporânea.
Para a Acadêmica, esse reconhecimento envolve a apresentação de propostas artísticas
que abordem a representação do corpo da mulher negra dentro do contexto histórico,
conectando-a à história da arte e à sociedade, uma vez que Estudar artistas negras é romper
com a invisibilidade do negro, mostrando as contribuições para a sociedade através de suas
produções artísticas (ACADÊMICA C, 2017, p. 35).
Nesse contexto, levar a mulher negra artista e seu trabalho para o ensino de arte é
contribuir para a construção de uma nova abordagem para as artes visuais. Sabemos que os
referenciais curriculares do Estado e do Município apresentam em seus conteúdos a
possiblidade de abordar o tema da Cultura Afro-brasileira e Indígena, o que, para a
Acadêmica A (2015 p. 49), reverbera em: [...] compreender talvez identificar qual o
espaço que a artista negra e a artista indígena ocupam? É na busca por compreender essas
identidades femininas que busco a presença das mulheres, tanto na arte, considerando minha
formação e curiosidade profissional.
As artistas negras, ao apresentarem suas produções em boa parte ou na sua
totalidade, como todos os artistas materializam em suas obras sua história pessoal, a hisria
do seu povo, permitindo que se conheça uma história, dessa vez contada pelo olhar de quem é
negra ou negro. E quando a artista chega a esse lugar, suas obras incomodam, percebendo-se a
necessária resistência para sermos sujeitos políticos produzindo contra a branquitude.
C) A mulher negra professora
Nesta categoria, são apresentados excertos em que as autoras fazem menções diretas à
relação entre a docência e a mulher negra. Ser uma professora negra implica compreender a
jornada de lutas e resistências enfrentadas ao longo da formação acadêmica e que ainda serão
enfrentadas durante a atuação profissional.
A Acadêmica C (2017) destaca que foi pela busca de sua conscientização como futura
professora e pelo respeito e valorização de sua condição como mulher negra que se empenhou
na pesquisa de seu TCC. Desde o início do projeto, ela diz ter buscado contribuições do
protagonismo negro para poder incorporá-las ao ensino de artes nas escolas, com o objetivo
de promover o pensamento crítico e a consciência entre os educandos.
Observa-se nos trabalhos das egressas pesquisadas que o protagonismo da mulher e
professora negra incomoda, pois saber que elas estão sendo reconhecidas e valorizadas causa
um estranhamento por parte de uma parcela da sociedade que ainda os negros como seres
inferiores, uma vez que:
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Apesar do multiculturalismo estar atualmente em foco em nossa sociedade,
especificamente na educação, não há, nem de longe, discussões praticas
suficientes acerca de como o contexto da sala de aula pode ser transformado
de modo a fazer do aprendizado uma experiência de inclusão. Para que o
esforço do respeitar e honrar a realidade social e a experiência de grupos não
brancos possam se refletir num processo pedagógico (HOOKS, 2013, p. 51).
Nesse processo, encontra-se também a superação da construção que os não negros têm
para com os negros, como destaca bell hooks, e que, para a Acadêmica A (2015), ressalta a
possibilidade e o dever de se conhecer artistas, escritoras negras, considerando que esse
exercício demanda:
[...] compreender essas identidades femininas que busco a presença das
mulheres, tanto na arte, considerando minha formação e curiosidade
profissional, mas também em todas as áreas de conhecimento da sociedade,
pois estou no mundo como mulher, artista e professora de artes visuais.
Acredito que a mulher ao expor sua percepção e ptica faz da arte, mesmo
que não tenha essa consciência, um instrumento de transformação social e
por assim dizer, transformação humana. Que mais e outras mulheres, possam
refletir sobre sua presença e atuação no mundo, e que essas reflexões
encontrem eco e espaço de diálogo na educação (ACADÊMICA A, 2015, p.
49).
Entender como o poder de identidade funciona junto à busca por referências negras
possibilita uma versão que quebra a violência do racismo estrutural, pois, além de criar
legitimidade nas identidades, estaremos privilegiando um grupo que é ignorado enquanto
produtor de conhecimento, arte e cultura. Para a Acadêmcia B (2016, p. 138), essa dinâmica
objetiva: [...] uma práxis didático-pedagógica que dialogue [...] a estrutura dos conteúdos
curriculares regulares previstos para o ensino de arte [...] elementos da cultura e identidade
negra. [...] referentes ás relações raciais e ao combate à discriminação.
Algumas conquistas do povo negro denotam vitórias importantes para a história da
população negra no Brasil, representando reconhecimento do direito à memória, como a
instituição do dia 20 de novembro em homenagem ao líder negro Zumbi dos Palmares,
através do dia Nacional de Zumbi e da Consciência, publicado pela Lei 12.519 de 10 de
novembro de 2011 (BRASIL, 2011). Destacamos também a Lei 10.639 (BRASIL, 2003) que
aborda a Educação das Relações Étnicos-Raciais, que a partir de 2003 incluiu este conteúdo
na escola.
No passado, a população negra teve que recorrer à memória coletiva para alimentar as
reinvindicações dos seus/nossos direitos. Hoje, se observa a ampliação dos direitos
conquistados nas últimas décadas. É um momento de reavaliar a configuração do racismo
estrutural e institucional imposto pela sociedade brasileira.
Ao entrar em contato com esses Trabalhos de Conclusão de Curso, pude observar que
as histórias das mulheres negras, que ingressam em uma universidade, são relatos de lutas,
mas também de conquistas. A mulher negra com formação superior que irá exercer a
profissão de professora tem a o seu alcance a possibilidade de multiplicar conhecimentos que
transformem nosso ensino num sistema mais igualitário, que dê oportunidades iguais a todos.
CONSIDERAÇÕES
Queremos reforçar, após o desenvolvimento desta investigação, que, apesar dos
avanços, a sociedade ainda enfrenta resistência à discussão do racismo, e a valorização da
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história e cultura negra é essencial para superar essa situação. Mulheres negras
desempenharam um papel fundamental nesse movimento, enfrentando obstáculos
significativos para garantir que suas vozes fossem ouvidas e suas contribuições reconhecidas.
Compreendemos ser bem-vinda e necessária a revisão do currículo escolar para incluir
a história e cultura negra efetivamente nas práticas formativas, permitindo que as futuras
gerações tenham uma compreensão mais abrangente da contribuição dos afro-brasileiros para
o país e ajudando a combater o racismo sistêmico que persiste na sociedade.
Enquanto tal mudança não se concretiza, consideramos ser da responsabilidade de
cada professor e de cada professora promover aspectos positivos que facilitem a abordagem
desse conteúdo em sala de aula. Isso inclui uma análise mais aprofundada das causas e
consequências da dspora africana pelo mundo, bem como a exploração da história da África
pré-escravidão, não se limitando apenas ao período da escravio, mas destacando figuras
históricas envolvidas nas lutas em prol da comunidade negra, retratando-as como
protagonistas, e evitando a perpetuação de estereótipos de manutenção racista.
Compreendemos que a busca pelo respeito é necessária para que pessoas negras
possam ter uma história diferente, sem a condescendência piedosa de não negros, mas sim
com o reconhecimento da capacidade e competência de mulheres e de homens negros. A
promoção da emancipação da populão negra abrange dimensões que atravessam aspectos
econômicos e políticos e incluem nesse processo tamm a esfera cultural e artística.
A importância de poticas blicas bem elaboradas e a necessidade de analisar a
sociedade de forma crítica, considerando as intersecções entre raça/etnia, gênero/sexualidade,
classe social, mediadas no ensino de arte, carregam possibilidades de uma abordagem política
e situada da mulher e do homem no mundo (SOUZA, 2022; FREIRE, 2020), em práticas que
se desenvolvam de mãos dadas com as mãos negras que protagonizam parte da história da
Arte no Brasil, pois, em concordância com Nilza Iraci, coordenadora do Geledés Instituto
da Mulher Negra (2019, n.p.): Nossos passos vêm de longe e irão muito mais além.
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Recebido em: 30 out. 2023.
Aprovado em: 07 dez. 2023.